24 Horas de Le Mans -
A classe do grupo C, que era muito cara, da competição de carros esportivos, tinha acabado no início dos anos 90, quando a recessão mundial deixou os orçamentos das fábricas no vermelho. Carros de produção para a estrada parecia ser o caminho dos construtores que inicialmente sustentaram a categoria. A Porsche com o Carrera Turbo e a Ferrari com seu F40. Então Gordon Murray, da Mclaren, subiu um degrau e criou o fantástico Mclaren F1. Um veículo GT que, mesmo absurdamente caro, preenchia claramente o espírito e as normas de regulamentação da categoria.
A preparação para a corrida começa e algumas equipes mostraram interesse em
participar. No total, sete carros Mclaren foram inscritos na 24 Horas de Le Mans
de 1995, sendo seis deles já participantes regulares da BPR e um sétimo
carro preparado de última hora.
A principais equipes tinham pilotos de alto escalão, como a David
Price Racing cuidando de dois carros, um patrocinado pela grande loja
Harrods, com Andy Wallace, Derek Bell e Justin Bell
de pilotos, e o carro patrocinado pela West que tinha John
Nielsen, Jochen Mass e Thomas Bscher. A equipe patrocinada pela Gulf
também tinha dois carros, um deles com Mark Blundell, Ray Bellm e o
brasileiro Maurizio Sala. Todos experientes e alguns já vencedores
veteranos de Le Mans.A equipe japonesa da Kokusai Kaihatsu Racing tinha como pilotos Yannick Dalmas, Masanori Sekiya
e JJ Lehto. O responsável pelo programa dos F1 GTR de endurance era
Geoff Hazell, então membro da Lanzante Motorsport. Paul Lanzante, o
chefe da equipe, faria sua estreia na 24 Horas de Le Mans naquele ano.
Eles tiveram apenas seis semanas para preparar o carro para a corrida.
Foi tudo tão rápido que parte dos sistemas backup do carro nem foram
feitos, como as bombas-reserva de combustível. Diz a história que dentro
do carro havia um pequeno kit de ferramentas para o piloto fazer
pequenos reparos nos itens que ficavam ao seu alcance.
Os rivais dos McLarens na categoria GT1 basicamente eram os mesmos
competidores da BPR. Porsche 911 turbo, Ferrari F40, Corvette Calaway, Venturis e alguns
carros japoneses, como Honda NSX e Nissan Skyline. O desafio mesmo eram
os protótipos, como o Ferrari 333 SP, Porsche Kremer, Courage-Porsche e
os Peugeots LMP2. Depois de 21 anos reaparece um protótipo Ferrari, o 333 SP que não
consegue terminar a prova. Surgido em 1994, o Ferrari 333SP foi o último
carro esporte projetado e construído pela escuderia de Maranello,
especialmente para correr nos Estados Unidos. Para a Ferrari, o
surgimento deste carro marcou uma ausência de 20 aos no cenário das
corridas de protótipos e teve êxito imediato no campeonato da IMSA para
carros da categoria WSC.
O treino de classificação já mostrou um fato esperado: os McLarens
eram rápidos, muito rápidos. Mas, não tanto quanto os protótipos em uma
volta completa. Na reta de Mulsanne, o F1 GTR era mais veloz, mas a
velocidade de curva dos protótipos era superior. Os McLarens largaram a
partir da nona posição, atrás dos protótipos que não tiveram problemas
no treino, e dos Ferrari F40.
O carro 59 foi o mais rápido, graças ao ímpeto de
piloto agressivo de JJ Lehto. A agressividade na pilotagem de Lehto
mostrou uma falha no F1: os braços de suspensão entortavam com as
repetidas pancadas nas zebras, inevitáveis quando se busca o melhor
tempo. Literalmente do dia para a noite, a McLaren criou novos braços
reforçados e enviou para que todos os carros fosses atualizados. Um
problema a menos para se descobrir durante a corrida.
Lehto havia forçado demais o motor, que teve que ser trocado de
madrugada, com o carro ficando pronto quase que para a largada da
corrida. Não bastasse, o garfo de engate da terceira marcha também
estava torto, provavelmente por excesso de vontade em trocar de marcha.
Mais um ponto frágil identificado, mas este não tinha muito o que se
fazer, exceto ter cuidado ao longo da corrida.
No começo da corrida, os protótipos dispararam na frente e os F1 GTR
brigavam com os Ferrari F40 no segundo grupo. Sem muita preocupação em
poupar o equipamento, o McLaren da West foi para cima dos protótipos,
conseguindo superar alguns deles.
A chuva veio e mudou completamente o cenário da corrida. Os
protótipos, todos de carroceria aberta, tinham um pouco de desvantagem
em termos de visibilidade na chuva, e eram mais dependentes da
velocidade para que a aerodinâmica ajudasse a contornar as curvas de Le
Mans rapidamente. Os GTs eram menos dependentes da velocidade, e
conseguiam recuperar um pouco da desvantagem em relação aos protótipos.
Estes tinham mais dificuldade em tracionar na pista molhada, justamente
por conta da velocidade reduzida prejudicar a força aerodinâmica
vertical.
Durante a noite, o carro 59 era disparado o mais rápido. JJ Lehto
conseguia tirar a diferença para os protótipos volta a volta, passando
diversos rivais, com uma pilotagem limpa e arrojada. Um par de faróis
adicionais montados sobre o capô ajudou muito na visibilidade durante a
noite, pois os faróis convencionais do F1 não iluminavam bem as curvas. A
chuva com certeza ajudou a preservar o carro, uma vez que o ritmo,
mesmo sendo forte, não era tão puxado como numa corrida com pista seca.
Os protótipos estavam ficando para trás.
Os outros F1 estavam tendo problemas na transmissão. Os pilotos
tinham dificuldade de engatar as marchas e já estavam perdendo tempo de
volta com essa falha. Detalhe, na época ainda se usava câmbio manual de 6
marchas com pedal de embreagem. Nada de sequencial ou semiautomática. A
estratégia do carro 59 desde o início era de poupar o carro na primeira
metade da corrida e partir para cima na segunda metade. O difícil era
conter o ânimo do JJ Lehto.
O carro 59 também apresentou a falha. Em uma das paradas de box na
noite, Paul Lanzante, inconformado com a falha comum aos GTR, não ia
deixar seu carro perder a chance de vencer, pediu para a equipe
desmontar a traseira do carro e acessar o câmbio. A compacta caixa
Weismann transversal tinha na lateral os links de comando dos seletores
de marcha, e com a chuva e sujeira da pista, uma grossa camada formou-se
sobre os comandos, dificultando sua movimentação. Ali estava o
problema.
A solução para o que viria a ser o pior problema daquele momento do
F1 GTR foi simplesmente engenhosa. A cada parada de box, um mecânico
iria jogar a maior quantidade possível do famoso
desengripante-lubrificante WD-40 sobre o conjunto onde se acumulava a
sujeira. Desta forma, a lubrificação seria melhorada e o acúmulo de
detritos seria drasticamente minimizado. Eureca! Depois deste
procedimento, o problema não apenas sumiu, como os pilotos diziam que os
engates ficaram melhores do que no começo da corrida!
Com a determinação e velocidade de Lehto (chegou a ser 30 segundos mais rápido por volta
que qualquer outro carro durante a noite), a habilidade de Dalmas e a
tranquilidade do japonês Sekiya, o carro número 59 cruzou a linha de
chegada em primeiro, com uma volta de vantagem sobre o segundo colocado,
o protótipo Courage-Porsche com motor do 935 turbo 3-L pilotado por
ninguém menos que o americano Mario Andretti e os franceses Bob Wollek e
Éric Hélary. Foi uma longa e dura briga com o Courage, mas também com o
GTR amarelo e verde da Harrods que terminou em terceiro, a duas voltas.
Para comprovar que o McLaren F1 não foi um azarão, a terceira, quarta
e quinta posição da classificação geral foram ocupadas por outros F1, à
frente de protótipos e de outros potenciais GT rivais.
Na história de Le Mans, depois que os protótipos de corrida
apareceram, estes sendo máquinas criadas unicamente para este propósito,
só o F1 GTR conseguiu superá-los. A vitória do Porsche GT1
em 1998 não entra nessa conta, pois mesmo tendo a versão de rua, era de
fato um carro de corrida que deram um jeitinho para homologar e chamar
de carro de passeio.
O F1, um carro de rua com poucas adaptações que nasceu para ser o
melhor carro esporte do mundo e nem deveria ter sido convertido para
corrida. A prova definitiva de como um carro esporte deveria ser. A
chuva foi um fator decisivo? Sim, mas a água caiu sobre todos. Se os F1
eram estáveis e os pilotos conseguiam bom desempenho, não era sorte, era
qualidade do carro.
O McLaren F1 foi mesmo o mais importante carro esporte das últimas
décadas. E não devemos ver um feito como este se repetir novamente, pelo
menos não enquanto as regras não forem mudadas.
Classificação geral
1 GT1 59 Yannick Dalmas/Masanori Sekiya/JJ Lehto - McLaren F1 GTR M 298 voltas
2 WSC 13 Bob Wollek/Eric Hélary/Mario Andretti - Courage C34 M 297 voltas
3 GT1 51 Andy Wallace/Derek Bell/Justin Bell - McLaren F1 GTR G 296 voltas
4 GT1 24 Mark Blundell/Ray Bellm/Maurizio Sandro Sala - McLaren F1 GTR M 291 voltas
5 GT1 50 Fabien Giroix/Jean-Denis Délétraz/Olivier Grouillard - McLaren F1 GTR M 290 voltas
6 WSC 4 Thierry Boutsen/Hans Joachim Stuck/Christophe Bouchut - Kremer K8 Spyder G 289 voltas
7 WSC 5 Yojiro Terada/Jim Downing/Franck Freon - Kudzu DG-3 G 282 voltas
8 GT2 84 Keiichi Tsuchiya/Akira Iida/Kunimitsu Takahashi - Honda NSX Y 275 voltas
9 GT2 73 Enrico Bertaggia/Johnny Unser/Frank Jelinski - Callaway Corvette BF 273 voltas
10 GT1 22 Hideo Fukuyama/Masahiko Kondo/Shunji Kasuya - Nissan Skyline GT-R LM B 271 voltas
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