sábado, 5 de maio de 2018

1995 - Mclaren GT vence os protótipos

24 Horas de Le Mans - A classe do grupo C, que era muito cara, da competição de carros esportivos, tinha acabado no início dos anos 90, quando a recessão mundial deixou os orçamentos das fábricas no vermelho. Carros de produção para a estrada parecia ser o caminho dos construtores que inicialmente sustentaram a categoria. A Porsche com o Carrera Turbo e a Ferrari com seu F40. Então Gordon Murray, da Mclaren, subiu um degrau e criou o fantástico Mclaren F1. Um veículo GT que, mesmo absurdamente caro, preenchia claramente o espírito e as normas de regulamentação da categoria.
A preparação para a corrida começa e algumas equipes mostraram interesse em participar. No total, sete carros Mclaren foram inscritos na 24 Horas de Le Mans de 1995, sendo seis deles já participantes regulares da BPR e um sétimo carro preparado de última hora.
A principais equipes tinham pilotos de alto escalão, como a David Price Racing cuidando de dois carros, um patrocinado pela grande loja Harrods, com Andy Wallace, Derek Bell e Justin Bell de pilotos, e o carro patrocinado pela West que tinha John Nielsen, Jochen Mass e Thomas Bscher. A equipe patrocinada pela Gulf também tinha dois carros, um deles com Mark Blundell, Ray Bellm e o brasileiro Maurizio Sala. Todos experientes e alguns já vencedores veteranos de Le Mans.A equipe japonesa da Kokusai Kaihatsu Racing tinha como pilotos Yannick Dalmas, Masanori Sekiya e JJ Lehto. O responsável pelo programa dos F1 GTR de endurance era Geoff Hazell, então membro da Lanzante Motorsport. Paul Lanzante, o chefe da equipe, faria sua estreia na 24 Horas de Le Mans naquele ano. Eles tiveram apenas seis semanas para preparar o carro para a corrida. Foi tudo tão rápido que parte dos sistemas backup do carro nem foram feitos, como as bombas-reserva de combustível. Diz a história que dentro do carro havia um pequeno kit de ferramentas para o piloto fazer pequenos reparos nos itens que ficavam ao seu alcance.
Os rivais dos McLarens na categoria GT1 basicamente eram os mesmos competidores da BPR. Porsche 911 turbo, Ferrari F40, Corvette Calaway, Venturis e alguns carros japoneses, como Honda NSX e Nissan Skyline. O desafio mesmo eram os protótipos, como o Ferrari 333 SP, Porsche Kremer, Courage-Porsche e os Peugeots LMP2. Depois de 21 anos reaparece um protótipo Ferrari, o 333 SP que não consegue terminar a prova. Surgido em 1994, o Ferrari 333SP foi o último carro esporte projetado e construído pela escuderia de Maranello, especialmente para correr nos Estados Unidos. Para a Ferrari, o surgimento deste carro marcou uma ausência de 20 aos no cenário das corridas de protótipos e teve êxito imediato no campeonato da IMSA para carros da categoria WSC.

O treino de classificação já mostrou um fato esperado: os McLarens eram rápidos, muito rápidos. Mas, não tanto quanto os protótipos em uma volta completa. Na reta de Mulsanne, o F1 GTR era mais veloz, mas a velocidade de curva dos protótipos era superior. Os McLarens largaram a partir da nona posição, atrás dos protótipos que não tiveram problemas no treino, e dos Ferrari F40.
O carro 59 foi o mais rápido, graças ao ímpeto de piloto agressivo de JJ Lehto. A agressividade na pilotagem de Lehto mostrou uma falha no F1: os braços de suspensão entortavam com as repetidas pancadas nas zebras, inevitáveis quando se busca o melhor tempo. Literalmente do dia para a noite, a McLaren criou novos braços reforçados e enviou para que todos os carros fosses atualizados. Um problema a menos para se descobrir durante a corrida.

Lehto havia forçado demais o motor, que teve que ser trocado de madrugada, com o carro ficando pronto quase que para a largada da corrida. Não bastasse, o garfo de engate da terceira marcha também estava torto, provavelmente por excesso de vontade em trocar de marcha. Mais um ponto frágil identificado, mas este não tinha muito o que se fazer, exceto ter cuidado ao longo da corrida.
No começo da corrida, os protótipos dispararam na frente e os F1 GTR brigavam com os Ferrari F40 no segundo grupo. Sem muita preocupação em poupar o equipamento, o McLaren da West foi para cima dos protótipos, conseguindo superar alguns deles.
A chuva veio e mudou completamente o cenário da corrida. Os protótipos, todos de carroceria aberta, tinham um pouco de desvantagem em termos de visibilidade na chuva, e eram mais dependentes da velocidade para que a aerodinâmica ajudasse a contornar as curvas de Le Mans rapidamente. Os GTs eram menos dependentes da velocidade, e conseguiam recuperar um pouco da desvantagem em relação aos protótipos. Estes tinham mais dificuldade em tracionar na pista molhada, justamente por conta da velocidade reduzida prejudicar a força aerodinâmica vertical.
Durante a noite, o carro 59 era disparado o mais rápido. JJ Lehto conseguia tirar a diferença para os protótipos volta a volta, passando diversos rivais, com uma pilotagem limpa e arrojada. Um par de faróis adicionais montados sobre o capô ajudou muito na visibilidade durante a noite, pois os faróis convencionais do F1 não iluminavam bem as curvas. A chuva com certeza ajudou a preservar o carro, uma vez que o ritmo, mesmo sendo forte, não era tão puxado como numa corrida com pista seca. Os protótipos estavam ficando para trás.
Os outros F1 estavam tendo problemas na transmissão. Os pilotos tinham dificuldade de engatar as marchas e já estavam perdendo tempo de volta com essa falha. Detalhe, na época ainda se usava câmbio manual de 6 marchas com pedal de embreagem. Nada de sequencial ou semiautomática. A estratégia do carro 59 desde o início era de poupar o carro na primeira metade da corrida e partir para cima na segunda metade. O difícil era conter o ânimo do JJ Lehto.
O carro 59 também apresentou a falha. Em uma das paradas de box na noite, Paul Lanzante, inconformado com a falha comum aos GTR, não ia deixar seu carro perder a chance de vencer, pediu para a equipe desmontar a traseira do carro e acessar o câmbio. A compacta caixa Weismann transversal tinha na lateral os links de comando dos seletores de marcha, e com a chuva e sujeira da pista, uma grossa camada formou-se sobre os comandos, dificultando sua movimentação. Ali estava o problema.
A solução para o que viria a ser o pior problema daquele momento do F1 GTR foi simplesmente engenhosa. A cada parada de box, um mecânico iria jogar a maior quantidade possível do famoso desengripante-lubrificante WD-40 sobre o conjunto onde se acumulava a sujeira. Desta forma, a lubrificação seria melhorada e o acúmulo de detritos seria drasticamente minimizado. Eureca! Depois deste procedimento, o problema não apenas sumiu, como os pilotos diziam que os engates ficaram melhores do que no começo da corrida!
Com a determinação e velocidade de Lehto (chegou a ser 30 segundos mais rápido por volta que qualquer outro carro durante a noite), a habilidade de Dalmas e a tranquilidade do japonês Sekiya, o carro número 59 cruzou a linha de chegada em primeiro, com uma volta de vantagem sobre o segundo colocado, o protótipo Courage-Porsche com motor do 935 turbo 3-L pilotado por ninguém menos que o americano Mario Andretti e os franceses Bob Wollek e Éric Hélary. Foi uma longa e dura briga com o Courage, mas também com o GTR amarelo e verde da Harrods que terminou em terceiro, a duas voltas.
Para comprovar que o McLaren F1 não foi um azarão, a terceira, quarta e quinta posição da classificação geral foram ocupadas por outros F1, à frente de protótipos e de outros potenciais GT rivais.
Na história de Le Mans, depois que os protótipos de corrida apareceram, estes sendo máquinas criadas unicamente para este propósito, só o F1 GTR conseguiu superá-los. A vitória do Porsche GT1 em 1998 não entra nessa conta, pois mesmo tendo a versão de rua, era de fato um carro de corrida que deram um jeitinho para homologar e chamar de carro de passeio.
O F1, um carro de rua com poucas adaptações que nasceu para ser o melhor carro esporte do mundo e nem deveria ter sido convertido para corrida. A prova definitiva de como um carro esporte deveria ser. A chuva foi um fator decisivo? Sim, mas a água caiu sobre todos. Se os F1 eram estáveis e os pilotos conseguiam bom desempenho, não era sorte, era qualidade do carro.
O McLaren F1 foi mesmo o mais importante carro esporte das últimas décadas. E não devemos ver um feito como este se repetir novamente, pelo menos não enquanto as regras não forem mudadas.

Classificação geral
1 GT1 59 Yannick Dalmas/Masanori Sekiya/JJ Lehto - McLaren F1 GTR M 298 voltas
2 WSC 13 Bob Wollek/Eric Hélary/Mario Andretti - Courage C34 M 297 voltas
3 GT1 51 Andy Wallace/Derek Bell/Justin Bell - McLaren F1 GTR G 296 voltas
4 GT1 24 Mark Blundell/Ray Bellm/Maurizio Sandro Sala - McLaren F1 GTR M 291 voltas
5 GT1 50 Fabien Giroix/Jean-Denis Délétraz/Olivier Grouillard - McLaren F1 GTR M 290 voltas
6 WSC 4 Thierry Boutsen/Hans Joachim Stuck/Christophe Bouchut - Kremer K8 Spyder G 289 voltas
7 WSC 5 Yojiro Terada/Jim Downing/Franck Freon - Kudzu DG-3 G 282 voltas
8 GT2 84 Keiichi Tsuchiya/Akira Iida/Kunimitsu Takahashi - Honda NSX Y 275 voltas
9 GT2 73 Enrico Bertaggia/Johnny Unser/Frank Jelinski - Callaway Corvette BF 273 voltas
10 GT1 22 Hideo Fukuyama/Masahiko Kondo/Shunji Kasuya - Nissan Skyline GT-R LM B 271 voltas

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